sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Olho Grego


Os temas pequenos da filosofia


Renato Janine Ribeiro


Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP). http://www.renatojanine.pro.br/

De onde vem a palavra etiqueta, usada para tratar dos bons modos, maneiras decentes e gestos bem educados? Uma etimologia tenaz a deriva da "pequena ética", uma vez que em espanhol e mesmo em português podemos usar o sufixo -eta como diminutivo: a etiqueta seria então uma ética menor. Hobbes, por exemplo, diz a certa altura do Leviatã (1651) que não vai tratar de small morals, da moral pequena, da moralzinha. É uma forma de traduzir a etiqueta.
Outra origem se encontra nos dicionários de francês: étiquette seria o rótulo que se colocava nos sacos em que se guardavam processos judiciais, na França do século XVI. A etiqueta-rótulo dizia o que estava contido dentro deles. Por- tanto, a etiqueta seria um rótulo. É algo que está fora que indica o que ou quem está dentro. É uma aparência que mostra a essência.
A etiqueta se impõe na passagem da Idade Média à Renascença. Foi tema fartamente estudado por Norbert Elias, Johan Huizinga e por mim mesmo. Ela une os dois sentidos acima. Por um lado, é um conjunto de regras que não tem a profundidade da grande moral, da verdadeira ética. São regras que devem ser seguidas. Uma ética mais forte não tem rol do que é certo ou errado.

As duas etiquetas


Anos atrás, Antonio Candido me disse que havia duas etiquetas, ambas se constituindo no final da Idade Média. Uma era a etiqueta da submissão diante da hierarquia, que nasce na corte de Borgonha. Outra era a etiqueta entre iguais, que cresce nos Países Baixos. Ambas demonstram respeito. Mas um é o respeito do inferior, outro o do igual.

Fui pesquisar isso e acabei escrevendo um pequeno livro a respeito, A etiqueta no Antigo Regime, que deve bastante a Norbert Elias e a Johan Huizinga. É curioso que as duas etiquetas tenham nascido em terras que pertenciam ao mesmo senhor, o duque de Borgonha - embora a Borgonha propriamente dita fosse domínio feudal e os Países Baixos, cidades autônomas e desenvolvidas.
Mas o ponto principal é que, em face de uma Idade Média rústica, o século XIV cria costumes mais refinados. Os bons modos são uma forma de demonstrar respeito diante do outro. Há vários tipos de outro. Um é o príncipe. Diante dele, as pessoas se ajoelham: elas o veneram quase como se ele fosse o próprio Cristo. Outro é o tipo de respeito dos burgueses entre si. Huizinga conta uma história de dois cidadãos que se encontram numa ruela muito estreita, e ficam um pedindo ao outro que passe, "não, o senhor primeiro": quinze minutos de rapapés.

E há ainda a mulher. Respeitar a mulher exige um cuidado com a linguagem e a postura física que rompe com os modos medievais. No começo do século XIII, quando morre o conde Guilherme Marechal, regente da Inglaterra, nem se mencionam os nomes de sua mulher e filhas. Elas mal aparecem. Entretanto, quando vão aumentando os torneios, ocasiões em que os nobres simulam guerrear em frente às mulheres, elas vão adquirindo importância. Isso significa adotar maneiras mais cuidadas, evitar grosserias e se refinar.

Revista Filosofia

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