sexta-feira, 12 de março de 2010

A escravidão da Codependência

Familiares contagiados pela doença atrelam-se patologicamente ao dependente químico, muitas vezes até mesmo estimulando o comportamento da pessoa adicta

Por Andréia Calçada




Cláudio, 45 anos casado há 10 anos com uma mulher usuária de drogas. Há 2 anos, em função de uma depressão grave, iniciou tratamento psicológico e medicamentoso. Recentemente sua esposa vendeu vários objetos de valor da casa. Foi então que o marido conseguiu colocar como limite a internação da esposa e seu retorno à casa de seus familiares, finalizando o relacionamento.

Esta é mais uma das inúmeras histórias sórdidas de personagens envolvidos com usuários de drogas e álcool. A situação descrita é apenas um recorte do cotidiano daqueles que se tornam escravos da doença do dependente químico e da própria doença. É desta última que vamos tratar aqui.

A codependência é a dificuldade de estabelecer relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo.

O codependente sente ansiedade, pena e culpa quando outras pessoas têm problemas; se flagra constantemente dizendo "sim" quando quer dizer "não"; tenta agradar aos outros ao invés de agradar a si mesmo e tolera abusos para manter relacionamentos que muitas vezes são destrutivos.

ETIMOLOGIA

O termo surgiu na década de 1970, depois da criação dos alcoólicos anônimos (AA) em função da necessidade dos familiares dos dependentes de álcool, especialmente suas esposas, que formaram grupos de ajuda mútua para lidar com os problemas advindos da adicção de seus maridos. Formaram então o Alanom, com um programa voltado para as pessoas que convivem com dependentes embasados nos doze passos do programa do AA.

Nem todos os especialistas concordam que codependência é uma doença. Porém, alguns fatores justificam esta nomenclatura. Os codependentes são reativos a uma doença, de forma progressiva. Seus comportamentos, como o dos dependentes químicos são autodestrutivos e compulsivos.
Os codependentes são autodestrutíveis em potencial. Eles passam por um ciclo vicioso de pensar e sentir, devido à dor que sentem por serem dependentes de pessoas com dependência química, por exemplo

A codependência envolve um sistema vicioso de pensar, sentir e comportar-se em relação a si mesmo e aos outros que acaba por causar dor ao codependente. Nos relacionamentos codependentes não existe o enfrentamento direto dos problemas, expressão aberta dos sentimentos e pensamentos, expectativas realistas, individualidade, confiança nos outros e em si mesmo.

O codependente tem medo de desagradar e perder o afeto das outras pessoas, principalmente daqueles com quem convive estreitamente, sejam eles cônjuge, filhos, irmãos, pais, etc... Tentam controlar a vida do outro; preocupam-se demasiadamente com as outras pessoas; tentam ajudar de forma errada; dizem sim quando querem dizer não; evitam ferir os sentimentos das pessoas, mesmo que para isso estejam ferindo a si próprios; não confiam em seus sentimentos; acreditam em mentiras e depois se sentem traídas. Aparentemente mostramse pessoas dedicadas, preocupadas e benevolentes. Na verdade, são permissivos, queixosos, criam desculpas para o comportamento do dependente, tendo dificuldade de entendê-lo como doença. Salvam-no de situações desagradáveis, tornando-se herói da situação. Assumem também o papel de vítimas perante a dor que a situação gera.

RECORRÊNCIA

Torna-se claro na prática clínica que a doença do outro exerce função compensatória na vida e no psiquismo de todo codependente. Ao verificarmos a história pessoal de cada um deles, na grande maioria dos casos, encontramos relacionamentos familiares em que a existência de algum membro com histórico de dependência química se faz presente, ou de algum outro quadro de compulsão como a compulsão pelo jogo, por compras ou até de doença grave.

A existência de problemas familiares graves em que a autoestima seja afetada principalmente pela negligência afetiva, podem gerar o comportamento codependente. No caso de Cláudio, o paciente referido inicialmente, a convivência com pai e irmãos alcoólatras o tornou benevolente ao uso de drogas de sua esposa. A normalidade da situação, que também foi vivida em família, o tornou conivente com a dependência de sua companheira. A falta de afeto experimentada na relação com o pai, e a necessidade de salvá-lo da bebida eram experimentadas intensamente em sua infância. Salvar o pai seria salvá-lo da própria dor de sentir-se rejeitado pelo pai, que não dava conta de si mesmo. Cláudio então projetou todas as suas necessidades afetivas no fato de ser o salvador na relação com sua esposa.

"OS CODEPENDENTES CRIAM DESCULPAS PARA O COMPORTAMENTO DO DEPENDENTE, TENDO DIFICULDADE EM ENTENDÊ-LO COMO DOENÇA"
Ação benevolente

Comportamentos e atitudes mais comuns para identificar um relacionamento codependente:

O codependente é guiado também por comportamentos compulsivos como ciúmes, superproteção dos quais não tem controle;
O codependente acha que sua felicidade depende do outro. Muitas vezes tem a sensação de que sua vida não tem sentido sem aquele relacionamento. Em função disso, encobre-o e assume responsabilidades por ele. Há a tolerância a abusos físicos e emocionais;
No relacionamento o codependente se sente responsável pelo outro, como uma relação infantil, não de adultos;
Na codependência busca-se a resolução de problemas que não se pode mudar. Sua energia é gasta em situações sem solução ao invés de ser usada no crescimento pessoal e na busca de relações saudáveis;
A criação de expectativas fantasiosas sobre o outro, a negação acerca da doença do dependente, a dificuldade em dar limites em relacionamentos, em dizer não quando precisa se proteger são características do codependente;
Busca de controle sobre o dependente envolvendo-se em situações aberrantes;
Solicitações de mudança de comportamento ao dependente são frequentes, mesmo com a clara evidência de que ele não vão mudar;
Em função disto passam a apresentar frustração, mágoa, depressão. Vivem em extremos de ânimo e sentimentos

Revista Psique