sábado, 23 de janeiro de 2010

Novas constituições e valores redesenham a estrutura familiar contemporânea e trazem para os divãs toda a complexidade dessas inovações
Esse novo conceito muda também a relação do indivíduo com o mundo. Mães e pais sentem-se cada vez mais pressionados pela pós-modernidade e refletem esse anseio para a vida em grupo, no seio familiar. É cada vez mais comum filhos acumularem atividades extraescolares (cursos de inglês, futebol, balé, escoteiro) enquanto os pais acumulam horas de trabalho. A falta de contato, de diálogo, de interação é preocupante. O jantar com a família é constantemente adiado e a falta de tempo (ícone dos tempos modernos) deixa a mesa cada vez mais vazia.
É nesse contexto que se observa, de forma nítida, o fenômeno que denomino "terceirização da família". Trata-se de um deslocamento do conceito econômico contempo-râneo "terceirização de serviços e de produção", adotado por empresas que buscavam racionalizar custos e aumentar sua eficiência. Para poder se dedicar às atividades momentaneamente mais impor-tantes, essas empresas delegam para outras determinadas operações de sua produção ou do serviço que prestam.
De maneira similar, a família atual, para se manter no compasso das exigências sociais e econômicas de nossa sociedade, parece terceirizar algumas de suas funções, dentre elas a da educação dos filhos...
Seja como for, observa-se hoje que a revisão do modelo tradicional de família tem provocado mudanças nas funções familiares, das quais, uma das principais parece ser representada pelo fato da interdição e limites não serem mais consideradas funções ligadas ao sexo paterno.
Novo núcleo multidimensional

Viver na era atual não nos permite o distanciamento suficiente para sequer esboçar respostas para as questões que permeiam a família moderna, tão carregadas de significado e de aflições, entre os psicanalistas.
A família de nosso tempo pode ser vista de forma multidimensional, como mundo de relações, como grupo de indivíduos e mesmo, sob o vértice da Psicanálise de família, como paciente.
"Na nova construção simbólica da família, a noção de sexo vem perdendo espaço para os domínios do gênero"
Assim, podemos pensar o casal e seus dependentes como um grupo de indivíduos interligados por um mundo de relações simbólicas que, no tempo e no espaço, constroem uma história sobre si própria, seus próprios mitos no qual eu, você, as crianças, são ideias com valores e forças diferentes, na linha do tempo e nos diferentes arranjos familiares: carregam a força do sangue no arranjo heterossexual e tão somente a força do afeto nos casais homoparentais.
Pais do mesmo sexoNessa nova construção simbólica da família, a noção de sexo vem perdendo espaço para os domínios do gênero, criando as condições psicossociais para a aceitação e o reconhecimento oficial da família homoparental e das diversas outras configurações familiares discutidas na atualidade. Isso trás para o primeiro plano da psicanálise de família, a questão dos organizadores familiares trazida por Eiguer, na medida em que eles parecem constituir uma heurística capaz de nos ajudar a pensar as bases psíquicas com que as novas famílias estão se constituindo
Podemos pensá-la também com a ajuda de Eiguer que a vê como um grupo de indivíduos entrelaçados por vínculos, no qual as relações de objetos e as transferências são ordenadas por organizadores familiares, de forma que as diferenças da estrutura individual se apagam diante da importância atribuída à teia de relações, continuamente estabelecidas e reconstituídas pelo grupo familiar.
Educação compartilhada com a escolaNa atualidade não é mais possível contar apenas com o modelo familiar nuclear como ambiente de formação da subjetivação humana, porque as mudanças sociais que marcaram nossa época levaram a um apagamento dos símbolos que marcavam os espaços familiares tradicionais, esmaecidos pela ausência da mulher na casa; pela terceirização da educação inicial da criança, agora partilhada com a pré-escola pelas mães que trabalham fora; pelas mudanças no mercado de trabalho, que vêm abalando a imagem do pai provedor do sustento/ mãe provedora de afeto, que a dupla de genitores tradicionais mantinha.


Nessa nova construção simbólica da família, a noção de sexo vem perdendo espaço para os domínios do gênero, criando as condições psicossociais para a aceitação e o reconhecimento oficial da família homoparental e das diversas outras configurações familiares discutidas na atualidade. Isso traz para o primeiro plano da Psicanálise de família a questão dos organizadores familiares trazida por Eiguer, na medida em que eles parecem constituir uma heurística capaz de nos ajudar a pensar as bases psíquicas com que as novas famílias estão se constituindo.
Apesar disso tudo, o conceito de família, - seja ela estruturada pelo casal heterossexual ou homossexual, matriarcal, tradicional ou constituída por meio-irmãos -, permanece firme no ideal do ser humano. A família traz os limites do espaço mediado por relações afetivas, capazes de propiciar a seus membros o espaço mental necessário para o desenvolvimento do pensamento, capacidade para delimitar fronteiras adequadas, entre a falta e o excesso, de forma que exista a possibilidade de manter trocas afetivas que contenham funções de ouvir, discernir e acompanhar, sem ceder à ânsia de eliminar conflitos.

Para assistir No filme Shelter, a irmã deixa seu filho a maior parte do tempo com o protagonista, para curtir a farra. Cansado dessa situação, e ainda apaixonado pelo irmão do seu amigo, o jovem resolve adotar o sobrinho com o seu amor e construir uma família.
ReferênciasFREUD S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade - 1905. Rio de Janeiro: Imago,1989 CASSIRER E. Ensaio sobre o Homem. São Paulo: Martins Fontes, 1997 SARTI C. A. A família como ordem simbólica. São Paulo: Psicologia da USP. Vol. 15/3, 2004 EIGUER A. Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985 BERENSTEIN I. Psicoanalizar una família. Buenos Aires: Paidós, 1996 (2ª reimpressão) BOX S., COPLEY B., MAGAGNA J., MOUSTAKI E. Psicoterapia com famílias: Uma abordagem psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994


Revista Psique

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