terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Construção de emoções

Sociólogo David Le Breton monta um estudo antropológico indicando que as emoções subjetivas são o resultado das condições sociais e culturais em que o indivíduo está inserido


Por Anderson Fernandes de Oliveira Fotos Leandro Fonseca


Viajante e estudioso de culturas, o sociólogo francês David Le Breton é um apreciador assumido das terras brasileiras. Já esteve no Brasil diversas vezes e ama, em especial, a cidade do Rio de Janeiro, que diz ser possuidora de uma beleza singular. Sobre São Paulo, ele é incisivo em mostrar seu desgosto. A selva de pedra lembra-o muito algumas cidades nos Estados Unidos, como Nova York, por exemplo. Ele prefere a natureza às paisagens urbanas. Por essa razão adora viajar. Segundo ele, ficar na França é muito enfadonho, devido ao clima muito frio e soturno.

Breton é doutor em Antropologia e professor na Universidade de Estrasburgo II. Tornou-se referência no estudo da corporeidade. Dentre suas obras publicadas no Brasil está a Sociologia do corpo (Ed. Vozes), em que o francês argumenta que o fenômeno de existência corporal está "incorporado" no nosso contexto social e cultural, ou seja, a linguagem corporal está inserida no canal pelo qual as relações sociais são elaboradas e vivenciadas. Para o professor, a Antropologia social e a Sociologia possuem inúmeras possibilidades de pesquisas, dentre elas, as investigativas. No âmbito individual e coletivo, elas podem ajudar nos estudos sobre as representações que construímos acerca do corpo e até mesmo na compreensão de certas culturas.

Neste e em muitos de seus trabalhos (ainda sem tradução para o português) Breton se preocupa com as investigações sociais e culturais do corpo como, por exemplo, os simbolismos, as expressões e percepções construídas na dinâmica social.

Suas análises envoltas da Sociologia da corporeidade ganham uma extensão com novos ares na obra As paixões ordinárias - Antropologia das emoções (Ed. Vozes). Em uma visita rápida por São Paulo, David Le Breton cedeu gentilmente uma entrevista à revista Sociologia Ciência & Vida, para falar um pouco sobre seu último livro, suas aventuras ao redor do mundo, Antropologia, cultura e a situação atual da sociedade contemporânea.

Para a construção do livro, você teve como base a Antropologia e a Sociologia. Você estudou algumas outras áreas da ciência e qual a importância dela no estudo antropológico?

Le Breton - A Antropologia é a disciplina dos indisciplinados [risos], daqueles que se recusam a limitar a sua curiosidade. O antropólogo é aquele que sai, que quer conhecer tudo de maneira mais ampla e dando a ele mesmo todos os meios para chegar a isso. Quando trabalho sobre qualquer assunto, seja ele emocional ou não, busco não só Antropologia e Sociologia, mas também a Psicanálise e a Etnologia. Acho que estou em uma herança da Antropologia cultural americana. Sua outra definição é que "nada que me é humano me é estranho". É necessário tudo para se construir o mundo.

" A Antropologia é a disciplina dos indisciplinados, daqueles que se recusam a limitar a sua curiosidade "




Você disse que está mais baseado na Antropologia americana. Existe outra Antropologia? Qual é a diferença?
Le Breton - Não sou estruturalista. A Antropologia que sigo é a social e cultural. Não está na herança de Claude Lévi-Strauss [antropólogo, professor e filósofo francês, considerado o fundador da Antropologia Estruturalista], mas, sobretudo, de George Balandier [etnólogo e sociólogo francês] e de Margareth Mead [antropóloga cultural norte-americana]. Eu me sinto muito mais próximo da Antropologia britânica, americana e anglo-saxônica. Existe também uma tradição na França que perdeu um pouco de importância que é do Marcel Mauss [sociólogo e antropólogo francês, sobrinho de Émile Durkheim, e considerado como o "pai" da etnologia francesa]. Eu me reconheço nesta tradição. Uma Antropologia do mundo contemporâneo que faz que a Sociologia também se imponha no momento da análise [Mauss apontava que as sociedades se formam basicamente pela troca, doação e reciprocidade de culturas].

Por que optou pelo nome As paixões ordinárias, em seu último livro?
Le Breton - O termo paixão é forte. Entendo-o de acordo com Descartes, que escreveu o Tratado das paixões, em que mostra que paixões ordinárias são aquelas com as quais vivemos todos os dias. Que são socialmente construídas e que também levam em conta a nossa individualidade dentro da cultura, da nossa história e nossa educação dentro da família.

" Falar de emoções positivas e negativas já é fazer um julgamento de valor. Jogar com essas emoções faz vender jornal "

Por que você escolheu o caminho das emoções? Qual o interesse?
Le Breton - Desde o meu primeiro livro A antropologia do corpo (Ed. Vozes) resolvi trabalhar com o corpo e as emoções. A ideia é construir uma Antropologia do corpo bem ampla. Trabalhei sobre a história do corpo, anatomia, não só do ponto de vista médico, mas antropológico. Comecei pelo ponto de vista da atitude em relação ao cadáver, por exemplo, as dissecções, de como elas se tornaram possíveis na história, as lutas culturais ao redor do cadáver, dentre outros rituais. Para mim, a história da medicina é também a história com a relação do corpo. Os anatomistas constroem o corpo com o qual a gente chega do hospital e que é curado, ou seja, chegamos com fraturas e eles têm o trabalho de reconstruir-nos. Procuro entender a invenção médica do corpo na modernidade. Construí também a Antropologia do rosto. Por que a importância do rosto existe em algumas sociedades e em outras não? Por que a desfiguração é uma tragédia na nossa sociedade? No livro abordei pela primeira vez a construção da emoção no rosto, as mímicas e o sorriso, para mostrar que o sorriso é uma coisa muito mais complicada. É uma joia e surge de uma espontaneidade diferente entre as culturas. Depois trabalhei na Antropologia da dor. É uma edição completamente renovada. Também trabalhei na construção social das percepções sensoriais, o sabor do mundo e ainda sobre as carnificações e mutilações corporais.



Esse trabalho das emoções é inédito e pioneiro ou você está sendo influenciado por outros pensadores?
Le Breton - Acredito que estou fazendo um estudo bem particular, bem singular que não existe ainda na tradição francesa, embora seja possível encontrá-lo na tradição americana e na britânica. De qualquer maneira, é um estudo que aborda outras perspectivas, algo que não existe, como por exemplo, nas análises realizadas nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, onde alguns etnólogos trabalhavam sobre afetividade, emoções.


Quando você falou sobre a aparência em que a nossa sociedade é muito influenciada e outras não, você se referia à sociedade ocidental?
Le Breton - Sim.

Portanto, a cultura oriental adota outro tipo de abordagem?
Le Breton - Existem nuances. Do mesmo jeito que a França não é os Estados Unidos, o Canadá não é a Finlândia, mas existem pontos culturais em comum. Mesmo em relação ao corpo, existem semelhanças e diferenças. Se você pensar no Japão, no Brasil ou na América Latina, os imaginários sociais são bem diferentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, sobrevive em alguns lugares o imaginário social do puritanismo, que determina ao indivíduo, e a todo o coletivo, a recusa ao corpo. Essas são tendências de acabar e liquidar o corpo, como forma de respeito e veneração a um ser superior. Esse imaginário de recusa do corpo está muito menos presente na Europa, Brasil e América Latina. Existem pontos em comum, assim como existem as diferenças. Piercings e tatuagens, que são muito corriqueiros nos países europeus, até mesmo no Brasil, não são em outros lugares, por exemplo.


Revista Sociologia

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