sábado, 23 de janeiro de 2010

Solidão compartilhada


Psicólogo e autor do livro Relacio- namento Amoroso, Ailton Amélio da Silva diz que a solidão pode não estar condicionada a especificidades dos tempos atuais, e sim a fatores mais anti- gos e conhecidos, como a timidez. "A timidez é um problema que acomete cerca de 50% dos jovens brasileiros, dificultando as intera- ções deles com outros indivíduos", revela Ail- ton. "Mas esse dado não é exclusivo do país: algumas fontes sugerem que as estatísticas americanas, por exemplo, são similares".


O especialista alerta: "um pouco de solidão é útil, e até necessário". Ele explica que alguns indivíduos podem se sentir pressionados pelo ritmo de convivência imposto pela modernida- de, e que, nesse caso, uma dose segura de solidão ajuda a superar a sensação de desconforto. "O isolamento moderado contribui para a reflexão", acrescenta. (Veja box Solidão e o ócio criativo)


No entanto, segundo Ailton da Silva, "algumas vezes, a solidão pode estar condi- cionada por costumes, capazes de adquirir contornos patológicos. O 'vício' no uso de computadores, por exemplo, tem o potencial de provocar anomalias curiosas: recentemen- te houve no Japão uma pandemia de casos de jovens que se recusavam a sair de seus quartos, por estarem utilizando seus compu- tadores. Tais indivíduos simplesmente aban- donavam suas vidas profissionais, escolares e sociais para passar dias (e noites) em frente a jogos e outras atividades virtuais".


A preocupação é que as atividades virtu- ais acabem funcionando, em alguns jovens, como um paliativo para as suas deficiências de interação social. "De certa forma, os jogos e sites de relacionamento podem 'acentuar' a solidão, criando laços instáveis e dispensá- veis", afirma Silva.


Solidão e distúrbios


Estudo internacional realizado com 176 estudantes universitários revela que a solidão media a relação entre interdependência pessoal e insatisfação com o corpo.


Mary Pritchard e Kyra Yalch, do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Boise, nos Estados Unidos, chegaram a esta conclusão após avaliarem, por meio de questionários, a relação da solidão com a dependência interpessoal e com os transtornos alimentares (desejo de emagrecer, sintomas bulímicos e insatisfação com o corpo).


Em sua investigação, publicada este ano na Personality and Individual Differences (46:341-346), as autoras concluem: como a solidão está ligada à insatisfação com o corpo, é importante que ela seja abordada em programas de tratamentos para distúrbios alimentares. Segundo a dupla, a redução dos índices de solidão por meio de terapias de grupo permite diminuir a dependência interpessoal


Por que não ficamos sozinhos?


A médica e psicanalista Sônia Eva Tucherman, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), afirma que "não existem muitas razões específicas para o problema da solidão, hoje".


De acordo com a especialista, se existe algum ambiente capaz de condicionar casos de 'solidão patológica', este "talvez seja o das rotinas de trabalho modernas, que isolam e cobram bastante de cada indivíduo. É fato que, hoje, trabalha-se muito mais do que há alguns anos. Isso provoca, em algumas situações, um isolamento afetivo apto a impedir as interações", esclarece Tucherman.


Para ela, "a solidão pode se tornar um problema para os indivíduos que não conseguem permanecer bem consigo mesmos, quando sozinhos ou até 'na multidão'. Mas, para pessoas que lidam melhor com o 'estar sozinho', ou que conseguem 'fazer companhia para si mesmos', não há qualquer problema".


De acordo com a psicanalista, 'defeitos' na criação podem atrapalhar o bebê na tarefa de "desenvolver as 'memórias de companhia', e, em consequência disso, reduzir sua capacidade de, mais tarde, permanecer sozinho, sentindo-se bem".


Cultura, costumes e consumo


Solidão patológica é potencialmente desenvolvida, segundo especialista, nos locais de trabalho onde as jornadas são longas. As rotinas profissionais da modernidade exigem demais das pessoas e acabam isolando-as do convívio social



Pesquisa realizada com 721 estudantes de três universidades de Ancara, na Turquia, mostrou que o nível de solidão entre adultos jovens é bem elevado. Ugur Özdemir e Tarik Tuncay, da Hacettepe University, afirmam no artigo publicado em 2008 na publicação Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health que 60,2% dos participantes consideraram-se solitários. A média de idade entre os estudantes era de 21,58 anos.



Segundo John Cacioppo, diretor do Centro para a Neurociência Social e Cognitiva da Universidade de Chicago, é difícil dizer se, atualmente, as pessoas estão mais solitárias do que antes, pois a solidão não foi mensurada durante um período de tempo suficiente. Entretanto, é possível afirmar que as circunstâncias atuais promovem maior isolamento. "Além disso, há um estudo de McPherson e colegas que sugere que as pessoas têm menos confidentes do que há 20 anos atrás" declarou ele em entrevista à Agência Notisa. "Isto poderia levar a crer que a solidão está associada com a sociedade contemporânea", completou.


" Quando a solidão engendra um quadro severo de melancolia pode ser capaz de levar à morte"



Para Lívia Godinho Nery Gomes, mestre em Psicologia Social e doutoranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, "a contemporaneidade tem sido marcada pela grande atenção voltada à obtenção de satisfação nas relações, exatamente porque estas não têm sido consideradas plenamente satisfatórias".


Ela estende sua análise: "Na sociedade de consumo, a estratégia do mercado de tratar o consumidor como alguém que precisa sempre sair na frente na corrida pelo sucesso, induz à preocupação exclusiva com a realização pessoal. O estilo de vida consumista estimula os sujeitos a empenharem-se com exclusividade na busca pelo sucesso particular, desconsiderando a condição do outro, visto como um potencial concorrente".


Interligado e independente


Em seu Loneliness: Human Nature and the Need for Social Connection, de 2008, Cacioppo e o escritor William Patrick mostram que o ser humano é fisiológica e psicologicamente mais interdependente do que se supunha.




Se antes a febre entre os jovens eram os torpedos pelo celular, agora há os sites virtuais de relacionamento. Os jovens se ampliam no espaço da web e, por vezes, se ausentam do convívio social real



"O giro fusiforme é uma área na parte inferior do cérebro que está envolvido na percepção da face. A aptidão de reconhecer pessoas através de sua face é tão importante que uma área do cérebro é especializada nesta função", explica Cacioppo. "Da mesma forma, a comunicação com outros é importante se quisermos ser uma espécie social, e há áreas nas regiões temporal e frontal inferior do cérebro que estão envolvidas na produção da linguagem e da percepção. Finalmente, há muitas regiões, incluindo o giro frontal inferior, que estão envolvidas na percepção social chamado sistema de neurônios espelho", completa.


"A solidão se torna um problema quando se afirma em um contexto de isolamento social", analisa Lívia Gomes, "de afastamento dos amigos e da família num movimento de impedimento da interdependência como condição da constituição da humanidade do homem - o que dificulta a afirmação da vida e diminui a potência de agir, podendo engendrar quadro severo de melancolia capaz de levar à morte". (Veja box sobre Distúrbios Alimentares e Solidão)


Nesse sentido, Lívia ressalta que o mundo torna-se humanizado quando é transformado em discurso. "Esse humanitarismo a que se chega no discurso da amizade era chamado pelos gregos de filantropia, o 'amor do homem', já que se manifesta na presteza em compartilhar o mundo com outros homens", observa a especialista.


Revista Psique

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