sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Durante décadas, psicanalistas associaram as doenças mentais a certos comportamentos religiosos, mais precisamente às possessões mediúnicas. Hoje, após anos de pesquisas, os médicos admitem a contribuição da religião no tratamento de patologias

Por Roberta de Medeiros

PESQUISA E RELATOS

Mas, afinal, qual seria a relação da religião com transtornos psiquiátricos? Pesquisadores do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) foram em busca de respostas. Em sua tese de doutorado, o psiquiatra Alexander Moreira de Almeida, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, levou a cabo uma minuciosa pesquisa que investiga a saúde mental de médiuns espíritas. O propósito era descobrir se havia ou não alta incidência de distúrbios psiquiátricos entre eles.

A VERTENTE QUE TOMOU COMO PATOLÓGICA AS VIVÊNCIAS MEDIÚNICAS CONSIDERAVA AS PESSOAS EMOCIONALMENTE INSTÁVEIS




Um caso real

Baseado na história real da alemã Annelise Michel (foto), que morreu após uma série de exorcismos mal-sucedidos, o filme O exorcismo de Emily Rose, mostra o drama de uma advogada ateia que precisa defender um padre acusado de assassinar uma garota. Na verdade, ele acreditava que a menina estava possuída. Os promotores usavam explicações baseadas em Psicanálise e Psiquiatria para sentenciar o padre.

Foi realizada uma triagem entre 115 médiuns de centros espíritas de São Paulo. Aqueles com indicadores de doença mental (12 deles) participaram de uma longa entrevista, que durou cerca de quatro horas. Eles relataram suas experiências sobrenaturais, seu histórico psiquiátrico e seu cotidiano. O perfil deles foi então comparado ao resultado de um segundo grupo, composto por 12 espíritas livres de sintomas.

A análise mostrou que, mesmo fora das sessões espíritas, a maioria dos entrevistados sentia que suas ideias e sentimentos eram controlados por uma força externa (de 60% a 70% do total); um terço alegou escutar vozes que comentavam suas ações ou dialogavam entre si. A Psiquiatria chama essas experiências de psicóticas, que fazem parte do quadro de esquizofrenia e outras psicoses.

De fato, a metade do grupo tinha uma contagem alta de sintomas de esquizofrenia. Cada espírita tinha quatro ou mais. Alguns relatos: "vejo espíritos se aproximando..."; "Surge uma voz na minha cabeça com sugestões para eu fazer alguma coisa"; "Vem um pensamento, como se alguém estivesse falando dentro do meu cérebro"; "Sinto algo encostando, como se colocassem a mão em meu ombro"; "Fico anterior ao corpo, como se estivesse boiando."



A teoria de que as mulheres são mais emotivas e, portanto, mais sensitivas que os homens pode ser validada depois do estudo que verificou que a maioria dos médiuns era do sexo feminino

Eequizofrenia e outras psicoses

Freud entendia a neurose como o resultado de um conflito entre o Ego e o Id, ou seja, entre aquilo que o indivíduo é (ou foi) de fato, com aquilo que ele desejaria prazerosamente ser (ou ter sido), ao passo que a psicose seria o desfecho análogo de um distúrbio entre o Ego e o Mundo. De acordo com Kraepelin, a paranoia é uma entidade clínica caracterizada, essencialmente, pelo desenvolvimento insidioso de um sistema delirante duradouro e inabalável mas, apesar desses delírios há uma curiosa manutenção da clareza e da ordem do pensamento, da vontade e da ação.
Ao contrário dos esquizofrênicos e doentes cerebrais, em que as ideias delirantes são um tanto desconexas, nesta Psicose Delirante Crônica as ideias se unem num determinado contexto lógico para formar um sistema delirante total, rigidamente estruturado e organizado.





Normalmente o funcionamento social desses pacientes paranoicos não está prejudicado, apesar da existência do delírio. A maioria dos pacientes pode parecer normal em seus papéis interpessoais e ocupacionais. A impressão que se tem é a de uma ilha de delírio num mar de sanidade, portanto, uma espécie de delírio insular.

Já os transtornos esquizofrênicos se caracterizam, em geral, por distorções características do pensamento, da percepção e por inadequação dos afetos. Usualmente o paciente com esquizofrenia mantém clara sua consciência e sua capacidade intelectual. A esquizofrenia traz ao paciente um prejuízo tão severo que é capaz de interferir amplamente na capacidade de atender às exigências da vida e da realidade.

O tipo mais comum de esquizofrenia é a paranoide. Além de delírios de perseguição, o sujeito tem também delírios de grandeza, ideias além de suas possibilidades. Esses pensamentos podem vir acompanhados de alucinações, aparição de pessoas mortas, diabos, deuses, alienígenas e outros elementos sobrenaturais. Algumas vezes esses pacientes chegam a ter ideias religiosas e/o políticas, proclamando-se salvadores da Terra ou da raça humana.

(FONTE: PSIQWEB)

No entanto, nenhum praticante foi considerado esquizofrênico. Isso porque o grupo não preenchia outros critérios para diagnóstico, como a tendência de se afastar das pessoas, a desconfiança exagerada e a obsessão por certos assuntos. Para se ter uma ideia de como esses aspectos são importantes, mesmo nas fases em que a pessoa esquizofrênica não está em crise (sem delírio), esses traços persistem. Justamente por isso eles servem como um divisor de águas.

Outro dado: a rotina do grupo era normal - com vida social, trabalho, estudo, amigos. Além disso, os espíritas tinham controle sobre as visões (e a capacidade de manter as rédeas da própria vida é fator essencial para que o médico possa dizer se uma pessoa é esquizofrênica ou não). O fato de serem sensitivos também não era causa de isolamento; eles até gozavam de prestígio em seu grupo. O que não vale para o típico esquizofrênico, que se aliena do mundo

REVISTA PSIQUE

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